Gosto
de todas as entrevistas que faço, mas confesso que tenho uma satisfação
maior quando o entrevistado é um jogador bem antigo, pois terei a
oportunidade de ouvir histórias de uma época que existem poucos que
ainda possam contar, além de dar uma oportunidade para que os jogadores
sejam lembrados, principalmente em um país onde a memória é tão
desvalorizada. Turcão, junto com Oberdan Cattani (o meu primeiro
entrevistado para o Blog), são os únicos remanescentes do Palmeiras da
década de 40. Consegui o seu contato por e-mail através de um diretor
palmeirense. Contatei-me com o ex-jogador na quarta-feira, dia
23/11/2011 e marcamos a entrevista para o dia seguinte. Com 85 anos, tem
uma memória e lucidez formidáveis, concedendo-me uma maravilhosa
matéria.
FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: O senhor nasceu no dia 24 de Maio de 1926 no bairro da Vila Mariana, em São Paulo. Quando criança já jogava futebol?
ALBERTO CHUARI (TURCÃO):
No meu tempo a molecada jogava na rua e as vezes aparecia um campo
qualquer e íamos jogar lá. Depois de certo tempo apareceram muitos
campos, que também foram acabando com os prédios que eram construídos.
FTT: Já torcia por algum time nessa época?
TURCÃO:
O mais engraçado de tudo é que joguei no Palmeiras e São Paulo. Quando
moleque falava que torcia pro Corinthians. Meu irmão brigava comigo,
dizendo que tinha que torcer pelo Palmeiras. Não era tão corintiano, mas
falava porque ouvia falar dele.
FTT: Pelo que soube, começou a jogar no Ypiranga.
TURCÃO: Tinha
o senhor Carlos Paeta, que era oficial da Light. Ele percorreu os
campos de futebol pra procurar quem gostasse praticar futebol e tentar
jogar no Ypiranga. Viu-me jogando no Ás de Ouro, da Vila Mariana e me
convidou. Eu só treinava no Ypiranga, pois eles não me deixaram jogar.
Fui treinar no Palmeiras, jogando como Juvenil e depois virei titular.
FTT: Isso foi em 1942, quando começou a jogar no Palmeiras.
TURCÃO: Até antes, desde 1940, quando tinha uns 15 anos.
FTT: Profissionalizou-se no Palmeiras em 1945.
TURCÃO: Foi praticamente neste ano que tornei Profissional. Mas desde 1944 já jogava um jogou ou outro.
FTT: Na
sua época de Palmeiras haviam grandes jogadores, como Oberdan Cattani,
Eduardo Lima, Waldemar Fiúme, Caieira, Zezé Procópio e Og Moreira. Fale
sobre esses jogadores, Turcão.
TURCÃO:
Meu amigo, você falou de nomes que se jogassem hoje, Nossa Senhora! O
Oberdan, no tempo dele, era considerado o melhor goleiro da América e,
talvez, até do mundo, um fora-de-série. Os outros jogadores, como o Zezé
Procópio e o Lima, eram extraordinários. Quando começo a lembrar, não
paro de falar (risos!).
PALMEIRAS
1947 - Oberdan Cattani, Tulio affini, Turcão, Caieira, Waldemar Fiume,
Zezé Procopio, Oswaldinho, Lula, Arturzinho, Lima e Canhotinho
FTT: Em qual posição o senhor jogava nessa época?
TURCÃO:
Comecei como lateral-esquerdo pra ter chance de jogar. O que gostava
mais era atuar como zagueiro-central. Quando apareceu a oportunidade,
agarrei e não saí mais.
FTT:
Já que o senhor jogava como lateral-esquerdo e zagueiro-central, além
dos jogadores do Palmeiras que citei, enfrentou grandes jogadores dos
times adversários. Citarei alguns: Luizinho, Sastre, Leônidas da Silva
(todos do São Paulo) e Servílio (Corinthians).
TURCÃO: Luizinho
era um monstro de jogador, advogado da Caixa e jogava um futebol
maravilhoso. O Sastre, de tão bom que era, não deixou o Yeso Amalfi
jogar, que também jogava muito e quando foi jogar na França, deixou os
franceses de boca aberta, sendo que aqui não jogava muito por causa do
desse argentino, que era algo fora do comum. Marquei o Leônidas, era
extraordinário, super ligeiro, se você bobeasse um segundo estava
perdido, fazia gols de bicicleta, quando dominava a bola tinha que estar
junto, senão era gol. Joguei contra o Servílio, cheguei a dar um
pontapé nele, que não gostou e reclamou comigo, mas também jogava muito
bem.
FTT: Começa
1947 e nesse ano o Palmeiras é Campeão Paulista. Já tinha sido em 1944,
com o São Paulo sendo Bi em 1945/46 e 1948/49, ou seja, eram os grandes
times da década. Na final do Paulistão de 47, o Palmeiras enfrenta o
Santos na Vila Belmiro, vencendo por 2 a 1 e nesse jogo Turcão faz um
famoso gol, praticamente o do título.
TURCÃO:
Esse gol foi quase do meio-de-campo. A bola vinha cruzando, corri e
resolvi chutar, batendo com toda a minha força, atravessou o campo todo,
sendo que o goleiro estava um pouco adiantado, quis voltar e ela
entrou. Ganhamos o jogo por 2 a 1.
FTT: Foi um título muito comemorado pelo senhor e companheiros.
TURCÃO:
Eu era um garotinho, tinha 21 anos e ainda fiz um gol. Fui carregado em
triunfo e um sujeito meteu mão no meu pescoço, arrancando a minha
corretinha de ouro. Tentei pegá-lo, mas ele conseguiu fugir. Estive em
um Jornal e pedi que ele devolvesse. Foi devolvida e está com o meu
filho até hoje.
FTT: Em
1948 enfrentou os melhores times da época, o River Plate e o Torino.
Como jogavam os fabulosos jogadores do River, que tinha nomes como Di
Stefano e Labruna?
TURCÃO: Muñoz, Moreno, Pedernera,
Labruna e Lostau. Era duro jogar com esses caras! Não quero nem
lembrar, porque me sinto mal (risos!). Marquei o Muñoz, ponta-direita do
River Plate. Nós ganhamos do Boca Juniors aqui e perdemos do River lá.
Turcão,
o segundo da esquerda para a direita, entre Lula e o tecnico Cambon,
depois, Neno, Lima, Canhotinho, e Arturzinho, em Janeiro de 1947, um
dia antes do jogo com o Boca Juniors da Argentina em que ouve empate de
2x2.
FTT: O
Palmeiras é novamente Campeão Paulista em 1950, jogando no time o Jair
Rosa Pinto e o Rodrigues, formando uma grande ala-esquerda. Fale da
final, do Jogo da Lama, contra o São Paulo, com o time sendo campeão já
em 1951.
TURCÃO:
Choveu, o campo estava horroroso, tanto é que quando o Aquiles fez o
gol, a bola estava parada na lama e ele chutou de primeira. O time do
Palmeiras também era muito bom. Dava gosto jogar nessa época.
FTT: Em
1951 acontece uma grande surpresa na sua carreira, porque parece que o
senhor queria um aumento salarial e não lhe foi concedido.
TURCÃO:
Com o término do Campeonato Paulista, coincidentemente acabou o meu
contrato. Todo o mundo estava ganhando bem, acima de 20 mil. O próprio
Sarno, que era lateral-esquerdo, renovou com esse salário. O senhor
Mário Frugiuele, que Deus o tenha, não quis me pagar este valor. Eu
disse que era Campeão Juvenil, Amador e duas vezes como Profissional.
Ele disse que seria 8 mil. Pedi um pouco mais, falando que o Sarno havia
me contado que recebeu 20 mil e ele não gostou dele ter contado, mas
falei que sabia porque éramos amigos. Falou pra eu ir para minha casa,
que resolveria no dia seguinte. Na mesma noite vendeu o meu passe ao
Guarani de Campinas.
FTT: Jogou pouco tempo no Guarani.
TURCÃO: Fiquei um mês. Logo em seguida o São Paulo foi me buscar. Cheguei a fazer um gol de falta em um clássico contra o Palmeiras.
TURCÃO VAI PARA O SÃO PAULO
FTT: Nessa
sua fase de São Paulo, perguntarei sobre alguns jogadores que atuaram
contigo, como Mauro Ramos de Oliveira, De Sordi, Alfredo Ramos, Bauer e
Teixeirinha, sendo que os dois últimos enfrentaram quando jogava no
Palmeiras.
TURCÃO:
O Mauro era algo fora do comum, grande jogador e pessoa, um amigo que
todos gostavam, morreu precocemente com câncer, craque extraordinário e
elegante, altamente técnico, mas não gostava do apelido de Martha Rocha,
já que a mulherada era fã dele. Já o De Sordi jogava na mesma posição
que eu, como lateral-direito, tanto é que fiquei muitas vezes fora do
time com ele jogando, pois atuava muito bem, comigo na reserva e
aceitava por saber que melhor. Alfredo Ramos é muito tímido, não dá
entrevistas, mas também era um extraordinário jogador e grande amigo.
Naquele tempo as amizades eram muito boas. Até hoje sou amigo do Oberdan
Cattani e dos jogadores do Palmeiras só sobraram ele e eu. Acho que o
Aquiles também está vivo, mas é mais recente. Bauer enfrentei e depois
joguei junto, na Copa do Mundo de 1950 foi chamado de Monstro do
Maracanã, pra você ter idéia como ele jogava bem e formou com o Ruy e
Noronha uma linha-média sensacional. O Teixeirinha, que se chama Elísio
dos Santos Teixeira, era chamado de Português, era muito bom, só que
depois veio o Canhoteiro e ele perdeu a posição.
FTT: Qual é a sua lembrança do título paulista de 1953?
TURCÃO:
O Poy e o De Sordi jogavam muito. Joguei de lateral-esquerdo e o
Alfredo Ramos como quarto-zagueiro. O time era excelente e quase não
perdeu pra ninguém, como o Palmeiras de 1947, que praticamente ganhou de
todo o mundo. Já o São Paulo de 1954/55 decaiu um pouco.
FTT:
Agora falarei novamente dos adversários da sua época de São Paulo. O
Palmeiras tinha uma linha de ataque que jogavam o Lima, Liminha,
Humberto Tozzi, Jair e Rodrigues. Já o Corinthians jogava com Cláudio,
Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário. E a Portuguesa atuava com Julinho,
Renato, Nininho, Pinga e Simão.
TURCÃO:
A linha do Palmeiras foi muito boa, tanto que fui campeão com alguns
desses jogadores em 1950. O ataque da Portuguesa era duro de enfrentar,
ganhava dos grandes, atrapalhava a nossa vida, mas perdia pro Nacional
da Comendador de Souza. Marquei o ponta-direita Julinho Botelho e ele
dava muito trabalho. Os dois baixinhos, Cláudio (que eu marcava) e
Luizinho, jogavam muito bem. Já o Mário ponta-esquerda era muito
habilidoso pra driblar.
FTT: O Dino Sani comentava que o senhor passava bem a bola. Comente também sobre ele.
TURCÃO:
Quando ele começou no Palmeiras, briguei com a diretoria do clube
porque vendeu ele pro XV de Jaú. Acabou se tornando um dos melhores
jogadores do mundo, jogando depois na Argentina e Itália. Eu era
Profissional e o menino despontava nos Amadores, dizia que ele era
craque e daria muito gosto no Palmeiras.
FTT: Inicialmente
ele era meia e depois passou a jogar como volante, rivalizando com o
Roberto Belangero do Corinthians nessa posição.
TURCÃO:
Jogava como meia e depois virou apoiador no São Paulo, com ele
deslanchando de vez. O Roberto Belangero também era um extraordinário
jogador. Se você quiser falar mais, ficará cansado de ouvir sobre tantos
jogadores bons (risos!).
FTT: Citarei agora um ponta-esquerda
que chegou ao São Paulo em 1954, que foi dado ao senhor a incumbência
de marcá-lo no primeiro treino dele. Pelo seu sorriso já sabe que estou
falando de José Ribamar de Oliveira, o Canhoteiro.
TURCÃO:
Quem trouxe ele pro São Paulo foi o Wilson, antigo zagueiro do Vasco,
que pediu pra mim não jogar tão duro, já que o menino era magrinho.
Começou o treino, sendo que na primeira bola passou por mim parecendo
que eu nem existia. Na segunda, terceira e quarta a mesma coisa.
Resumindo, pra não falar muito, quando acabou o treino, o Wilson veio me
agradecer, dizendo que ele seria contratado e eu falei pra contratar
mesmo, pois tomei um baile de um jogador que se tornou um fora-de-série.
Infelizmente não tinha juízo.
São Paulo 1956 - Vice
Paulista. Em pé: Desconhecido - Vicente Feola (técnico) - Riberto -
Sarará - Bonelli - Turcão - Alfredo Ramos e Mauro. Agachados: Maurinho -
Lanzoninho - Gino - Dino Sani e Canhoteiro.
FTT: Já que citei o Canhoteiro, falarei agora do Mané Garrincha, que o senhor também enfrentou.
TURCÃO: Marquei o Garrincha também. Só pegava moleza (risos!).
FTT: Falarei
agora de alguns grandes dribladores e o senhor me diz quem achava que
era o melhor: Mário (ponta-esquerda do Corinthians), Luizinho Pequeno
Polegar, Canhoteiro ou Garrincha?
TURCÃO:
O Mário era muita frescura, driblava muito bem, mas dava muita chance
aos adversários, pois me lembro de uma passagem dele quando jogava no
Vasco contra o São Paulo, que ele driblou todo o mundo, parou a bola em
cima da linha do gol, sendo que o zagueiro Savério tirou ela dele, com
isso ele não queria ir pro vestiário, porque o Flávio Costa estava
esperando-o na porta por não ter marcado, querendo o técnico bater nele.
Já o Canhoteiro atacava mais. O Luizinho era habilidoso e produtivo,
diferente do Mário, pois fazia as coisas muito bem feitas. Acho que o
Garrincha foi o melhor driblador de todos, era muito difícil de marcar e
ninguém conseguia tirar a bola dele.
Mauricio Sabará e Turcão coma foto dos tempos de São Paulo
FTT: Falaremos
agora de uma passagem importante da sua carreira, quando jogou na
Seleção Brasileira, atuando apenas em uma partida, pela Taça Bernardo
O’Higgins de 1955. Chegou também a jogar pela Seleção Paulista?
TURCÃO:
Cheguei a jogar na Seleção Paulista. Pela Brasileira foi mais emoção do
que ação, porque não esperava jogar. O técnico disse que jogaria, em
vez do De Sordi. Nós ganhamos o jogo e a Taça. Foi uma alegria fora do
comum. Antes treinei pra jogar, mas o Flávio Costa me cortou depois de
dois treinos, fazendo com que não participasse da famosa Copa do Mundo
de 1950.
FTT: Em
1956 o senhor parou de jogar devido à um problema no joelho, quanto
tinha 30 anos. No ano seguinte o São Paulo é Campeão Paulista,
trabalhando como auxiliar técnico de Bela Guttmann.
TURCÃO:
A contusão foi porque o argentino Bonelli caiu em cima do meu joelho em
um treino. Pra mim não houve nenhum técnico como o Bela Guttmann,
porque ele dava fundamentos, o que não vejo hoje, pois não se sabe
cruzar uma bola.
Turcão hoje em dia e com a foto dos tempos de tricolor.
FTT: Depois do título teve uma rápida passagem pelo Santa Cruz, jogando somente quatro partidas.
TURCÃO:
Fiquei um mês no Santa Cruz, ganhei um torneio lá e recebi 150 mil.
Eles me dispensaram. Me reapresentei no São Paulo, sendo que o diretor
Manuel Raimundo disse não me querer mais no clube, falando que daria
quatro ordenados para que eu fizesse o que quisesse. Uns três times me procuraram, mas não quis mais.
FTT: Por sinal nessa época é que estava surgindo o Santos de Pelé, que jogava também o Pagão e o Pepe.
TURCÃO: Não peguei esses caras, graças a Deus. Chega de sofrimento (risos!).
FTT:
Citarei também alguns jogadores do Rio de Janeiro para o senhor
comentar, como de Heleno de Freitas (só enfrentou na época de
Palmeiras), Ademir de Menezes e Zizinho.
TURCÃO:
Tive a honra de jogar uma vez contra o Heleno. Enfrentei também o
Ademir. Zizinho era um monstro de jogador, sendo que depois do Flamengo e
Bangu, jogou no São Paulo, sagrando-se Campeão Paulista em 1957. Outro
jogador formidável foi o Waldemar de Brito, um dos Deuses do futebol.
FTT: Fale agora do seu final de carreira profissional, quando trabalhou em empresas como a Kibon e Ki-Refresco.
TURCÃO:
Parei de jogar por te me machucado, tinha um rendimento com umas casas,
recebendo os meus aluguéis e dava pra viver. Um dia estava jogando
bocha e encontrei um amigo,
Moacir Serrone, que perguntou o que eu estava fazendo. Disse que ninguém
me arrumava emprego. Ele disse pra mim ir para a Kibon, pois lá iria
trabalhar. Apresentei-me de camisa esporte e de barba pra fazer, já que
estava tão decepcionado da vida. Falou pra mim: “O que você veio fazer
aqui, pedir emprego barbudo desse jeito e de camisa esporte? Volte pra
sua casa e coloque uma gravata”! Saí correndo, fui em casa (morava à um
quarteirão da Kibon), tomei um banho, fiz a barba e coloquei a gravata.
Quando retornei, disse “agora sim”! Apresentei-me ao senhor Manuel de
Oliveira, amigo de infância, que era o gerente, dizendo-me que começaria
a trabalhar no dia seguinte. Minha vida mudou da água pro vinho.
FTT: O
senhor jogou em dois grandes clubes, que foram o Palmeiras e São Paulo.
Quando os times jogam, tem preferência por algum, ou torce por ambos?
TURCÃO:
Preferência não tenho. Gosto do Palmeiras porque comecei lá e do São
Paulo, onde praticamente terminei. Fui muito bem tratado no Guarani e
Santa Cruz. Torço para que esses quatro clubes sejam felizes.
ENTREVISTA: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.
Revista do dia - PLACAR 1985
Aqui vai nossa homenagem ao Doutor que infelizmente nos deixou esta semana. Obrigado por tudo Dr. Socrates.
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