Poucas coisas na vida conseguem rivalizar com a
literatura e o futebol no ranking das minhas devoções. Mas há um assunto
que está no mesmo patamar desses dois sob o ponto de vista da vocação, e
que vai além quando se trata de especialização. Esse assunto é o
marketing. E é como especialista em marketing - e também como apaixonado
por futebol - que condeno veementemente a esculhambação que os cartolas
vêm fazendo com as camisas dos clubes de futebol no Brasil. Camisas que
já foram chamadas de mantos sagrados, mas que estão se tornando trapos
profanos.
Não sou radical a ponto de defender o fim da publicidade nas camisas
dos clubes. E como homem de marketing, nem faria sentido pensar de outra
forma. As receitas geradas pela inserção de marcas nos uniformes dos
clubes é uma das mais importantes para o balanço financeiro das
instituições esportivas. É claro que se um clube puder ser grande e
rentável sem necessidade de ceder espaço no seu uniforme para os
anunciantes, como ocorre com o Barcelona, tanto melhor. Mas é óbvio que
não há espaço para muitos barcelonas no planeta futebol. O
Internacional, dizem, caminha rumo a esse objetivo. Quer ter, como o
Benfica de Portugal, mais de 100 mil associados contribuindo com o clube
e, dessa forma, abrir mão das receitas de publicidade na camisa,
"devolvendo-a aos seus torcedores".
Na verdade, não acho fundamental manter imaculado o uniforme de um
time. Se eu fosse o diretor de marketing do Inter, manteria o patrocínio
na camisa mesmo chegando aos 100 mil sócios, usando os recursos para
fazer um CT ainda melhor, para contratar mais jogadores ou para revelar
mais talentos. Mas há limite para a publicidade - e entre aceitar um
patrocinador e transformar a camisa do clube em um feirão, com um monte
de logotipos, como se fosse um carro de Fórmula 1, vai enorme distância.
Uma distância que deveria ser limitada pelo bom senso. E pelo
profissionalismo em marketing.
Perguntem a qualquer marqueteiro sobre a efetividade da exposição de
uma marca em meio a um monte de outras. "É jogar dinheiro fora", dirão
quase todos. Uma marca que se preze, de ponta, não aceita habitar uma
feira, cercada de outras não tão fortes assim, não tão de ponta assim.
No marketing, como na vida, diga-me com quem andas que eu te direi
quem és. E, convenhamos, há algo mais degradante do que vermos as
camisas dos gigantes do futebol nacional vilipendiadas por um monte de
logotipos e mensagens? Até dentro dos números das camisas já deram um
jeito de enfiar micro patrocínios! Um vexame. Pergunto: faz sentido que o
glorioso Corinthians estampe uma marca de desodorante na parte de sua
camisa que fica em contato com o sovaco dos jogadores? Há alguma graça
numa publicidade de leite na parte da frente dos calções ou de planos de
saúde na região glútea dos jogadores? Pode ser que alguém se divirta
com isso, mas eu não. No longo prazo, essa bagunça vai espantar as
grandes marcas - e, sem elas, as contas dos grandes clubes do futebol
brasileiro não vão fechar.
Querem saber como isso funciona nos centros esportivos mais
desenvolvidos? Basta acompanhar os jogos da Premier League inglesa. Lá,
os clubes têm apenas um grande patrocinador na camisa. Detalhe: o
logotipo é impresso em um único espaço e numa única cor. Se a camisa é
escura, o logotipo aparece em branco; se é clara, aparece na cor do time
patrocinado. Nenhum anunciante reclama disso. Pelo contrário. A marca
que aparece sozinha e impoluta sobre o manto da grande equipe ganha
nobreza. Não por acaso, os patrocinadores exclusivos de equipes como o
Chelsea, o Arsenal e o Manchester United pagam pelo espaço dezenas de
vezes mais do que os patrocinadores brasileiros pagam aos clubes daqui. E
todo mundo lembra muito bem do nome dos patrocinadores dos clubes de
ponta da Europa - enquanto, por estas bandas, qual é mesmo a marca que
aparece naquela bandinha do ombro esquerdo do uniforme do São Paulo? ,