brasil1970

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Mantos nada sagrados

Poucas coisas na vida conseguem rivalizar com a literatura e o futebol no ranking das minhas devoções. Mas há um assunto que está no mesmo patamar desses dois sob o ponto de vista da vocação, e que vai além quando se trata de especialização. Esse assunto é o marketing. E é como especialista em marketing - e também como apaixonado por futebol - que condeno veementemente a esculhambação que os cartolas vêm fazendo com as camisas dos clubes de futebol no Brasil. Camisas que já foram chamadas de mantos sagrados, mas que estão se tornando trapos profanos.
Não sou radical a ponto de defender o fim da publicidade nas camisas dos clubes. E como homem de marketing, nem faria sentido pensar de outra forma. As receitas geradas pela inserção de marcas nos uniformes dos clubes é uma das mais importantes para o balanço financeiro das instituições esportivas. É claro que se um clube puder ser grande e rentável sem necessidade de ceder espaço no seu uniforme para os anunciantes, como ocorre com o Barcelona, tanto melhor. Mas é óbvio que não há espaço para muitos barcelonas no planeta futebol. O Internacional, dizem, caminha rumo a esse objetivo. Quer ter, como o Benfica de Portugal, mais de 100 mil associados contribuindo com o clube e, dessa forma, abrir mão das receitas de publicidade na camisa, "devolvendo-a aos seus torcedores".
Na verdade, não acho fundamental manter imaculado o uniforme de um time. Se eu fosse o diretor de marketing do Inter, manteria o patrocínio na camisa mesmo chegando aos 100 mil sócios, usando os recursos para fazer um CT ainda melhor, para contratar mais jogadores ou para revelar mais talentos. Mas há limite para a publicidade - e entre aceitar um patrocinador e transformar a camisa do clube em um feirão, com um monte de logotipos, como se fosse um carro de Fórmula 1, vai enorme distância. Uma distância que deveria ser limitada pelo bom senso. E pelo profissionalismo em marketing.
Perguntem a qualquer marqueteiro sobre a efetividade da exposição de uma marca em meio a um monte de outras. "É jogar dinheiro fora", dirão quase todos. Uma marca que se preze, de ponta, não aceita habitar uma feira, cercada de outras não tão fortes assim, não tão de ponta assim.
No marketing, como na vida, diga-me com quem andas que eu te direi quem és. E, convenhamos, há algo mais degradante do que vermos as camisas dos gigantes do futebol nacional vilipendiadas por um monte de logotipos e mensagens? Até dentro dos números das camisas já deram um jeito de enfiar micro patrocínios! Um vexame. Pergunto: faz sentido que o glorioso Corinthians estampe uma marca de desodorante na parte de sua camisa que fica em contato com o sovaco dos jogadores? Há alguma graça numa publicidade de leite na parte da frente dos calções ou de planos de saúde na região glútea dos jogadores? Pode ser que alguém se divirta com isso, mas eu não. No longo prazo, essa bagunça vai espantar as grandes marcas - e, sem elas, as contas dos grandes clubes do futebol brasileiro não vão fechar.
Querem saber como isso funciona nos centros esportivos mais desenvolvidos? Basta acompanhar os jogos da Premier League inglesa. Lá, os clubes têm apenas um grande patrocinador na camisa. Detalhe: o logotipo é impresso em um único espaço e numa única cor. Se a camisa é escura, o logotipo aparece em branco; se é clara, aparece na cor do time patrocinado. Nenhum anunciante reclama disso. Pelo contrário. A marca que aparece sozinha e impoluta sobre o manto da grande equipe ganha nobreza. Não por acaso, os patrocinadores exclusivos de equipes como o Chelsea, o Arsenal e o Manchester United pagam pelo espaço dezenas de vezes mais do que os patrocinadores brasileiros pagam aos clubes daqui. E todo mundo lembra muito bem do nome dos patrocinadores dos clubes de ponta da Europa - enquanto, por estas bandas, qual é mesmo a marca que aparece naquela bandinha do ombro esquerdo do uniforme do São Paulo? ,


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