Da
mesma forma que o Nardo, consegui o telefone do Cabeção com o meu amigo
jornalista Celso Unzelte. O ex-goleiro aceitou de imediato a
entrevista, me recebendo no seu apartamento. Com uma memória fantástica,
Cabeção me concedeu esta excelente entrevista. Confiram a matéria.
FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Como foi o seu início no futebol. Você praticamente começou no próprio Corinthians.
LUIZ MORAIS (CABEÇÃO): Eu nasci praticamente dentro do Corinthians. Comecei nas categorias de base. Mas eu praticamente me criei no próprio Parque São Jorge. Eu vivia lá dentro, fui criado no Corinthians. Então quando começou os infantis eu fui o goleiro por uns tempos. Isto foi em 1942. É uma vida
FTT: Você sempre jogou como goleiro?
CABEÇÃO: No Corinthians sim. Na várzea jogava na linha por brincadeira.
FTT: Houve algum goleiro que te inspirou?
CABEÇÃO: Quando eu era juvenil, quem me orientou muito foi o Jurandir, ex-goleiro do São Paulo, Palmeiras e Flamengo. Ele veio no fim de carreira para o Corinthians e me ensinou muito, pois eu treinava junto com os profissionais. Fora isso, teve um treinador das categorias de base chamado Dante Pietrobon, me ensinando tudo o que eu sei como goleiro. Veio do Maria Zélia e era irmão do Valussi (Anacleto Pietrobon), que foi beque-central do Corinthians e depois juiz de futebol.
FTT: E quando você jogou nos juvenis e aspirantes do Corinthians, foram revelados grandes talentos no time.
CABEÇÃO: Apareceram muitos, Eu, Luizinho, Colombo, Roberto, Rafael, Nardo e muitos outros. A leva que subiu foi muito boa e o Corinthians foi campeão em 1951.
FTT: Mas você começou a jogar nos profissionais entre 1949 e 1950.
CABEÇÃO: Eu substituí o Bino, que era muito amigo meu, em 1950. Eu era suplente dele durante a conquista do Rio-São Paulo daquele ano. Em 51 ele parou e passei à profissional direto.
FTT: Como era aquele time do Corinthians dos anos 50? Era um time somente raçudo ou também tinha os seus talentos?
CABEÇÃO: O time era muito bom. Em um campeonato difícil como o paulista, fez 103 gols. Tinha Luizinho, Cláudio, Baltazar e Carbone na frente. Atrás tinha Murilo, Homero, Olavo e Idário. Era um time que impunha respeito.
FTT: O que você tem a dizer sobre o seu companheiro de gol, o Gilmar dos Santos Neves?
Cabeção e Gilmar dois grandes goleiros no Corinthians
CABEÇÃO:
Jogamos dez anos juntos. Isso é difícil de acontecer. Não éramos dois
titulares, mas um titular e um reserva, um reserva e um titular, porque
um ia pra seleção e o outro assumia o posto, portanto quando voltava
tinha perdido a posição. O Gilmar jogou uns 350 jogos e eu uns 340.
Portanto ficamos dez anos juntos e sem brigas, como amigos. Hoje
infelizmente não nos vemos, pois houve alguns problemas, mas gostaria de
saber como está atualmente o Gilmar.
Cabeção exibe orgulhoso a sua foto na seleção brasileira a Mauricio Sabará.
FTT: Quando vocês treinavam, um corrigia o outro?
CABEÇÃO:
Na nossa época não tinha treinador de goleiros. Quem treinava os
goleiros éramos nós mesmos. Um treinava o outro, pegando o vício de
cada. Treinávamos só nós dois. Hoje é bom, pois o goleiro tem que treine
ele.FTT: Ambos eram grandes goleiros, de nível de seleção.
CABEÇÃO: Nós éramos completamente diferentes. Eu jogava mais parado, pois era mais pesado. Ele era mais fino de corpo, um pouco mais alto, era mais ágil e voava mais. O Gilmar deu mais sorte, pois foi campeão do mundo de 1958. Eu fui em 54 e não consegui ser campeão.
FTT: Teve algum título do Corinthians que você guardou com mais recordação?
CABEÇÃO:
Títulos sempre recordamos com saudades. O Infantil, que foi no começo
de carreira. Juvenis e aspirantes, que fomos tricampeões. E nos
profissionais, quando temos mais prestígio, chegando ao auge da carreira.FTT: E a Seleção Paulista?
CABEÇÃO: Fomos campeões brasileiros em 1952. Disputamos a final no Rio de Janeiro, sendo nesta última partida eu não joguei, jogando o Muca, sendo que eu havia disputado as três partidas anteriores. Aymoré Moreira era o treinador.
FTT: Havia algum zagueiro que você sentia mais confiança na cobertura da defesa?
CABEÇÃO: Os três zagueiros que tive aqui pela frente no Corinthians foram muito bons. Teve o Murilo, Homero e Olavo. Jogavam com seriedade e não brincavam. Na Seleção Paulista tinha o Mauro, sendo que o time era formado com os melhores jogadores de São Paulo.
Homero, Cabeção e Rosalem no Corinthians
FTT: E a Copa de 54? Você e o Veludo eram os reservas do Castilho.
CABEÇÃO: No começo foi também o Oswaldo Baliza. O Castilho quebrou o pé e convocaram o Veludo. O médico e o treinador eram do Fluminense, sendo que no exame barraram o Oswaldo e eu, alegando que estávamos sem pressão, sendo que não tínhamos, pois não éramos escalados. Isso foi feito só pra colocarem o Veludo. E ele se superou, sendo um dos melhores jogadores da seleção nas Eliminatórias, contra o Paraguai e o Chile, sendo que ele defendia e o Baltazar fazia os gols, sendo que era 1 a 0 todos os jogos. Na Copa o Castilho voltou e cortaram o Oswaldo. Pelo menos disputei uma Copa.
FTT: Mas vocês perderam para uma grande seleção, que era a Hungria.
CABEÇÃO: Na época era o melhor time que apareceu, mas no fim perdeu para a Alemanha.
Seleção Brasileira com Cabeção no gol
FTT: Depois da Copa, você voltou para o Corinthians e foi campeão do Rio-São Paulo.
CABEÇÃO: Entrei na última partida contra o Palmeiras. Defendi uma penalidade do Rodrigues. Eu que tinha feito o pênalti no Liminha. E fomos campeões.
FTT: Você chegou a disputar algumas partidas do título do Quarto Centenário e depois foi emprestado para o Bangu.
CABEÇÃO: Houve um problema muito sério. Joguei as primeiras partidas e o treinador cismou em me tirar sem nenhuma justificativa. Entrou o Gilmar e achei que eles não agido certo comigo. Fui para o Bangu e fui vice-campeão carioca.
CABEÇÃO É VENDIDO E FAZ PARTE DE OUTRO GRANDE TIME: A PORTUGUESA CAMPEÃ DO RIO-SP EM 55
FTT: Logo depois você foi contratado pela Portuguesa.
CABEÇÃO:
O Corinthians me vendeu para a Portuguesa por 550 mil. Fui campeão do
Rio-São Paulo em 1955. Era um timaço. Era eu, Nena, Floriano, Djalma
Santos, Brandãozinho, Ceci, Julinho, Ipojucan, Edmur, Aílton e Ortega.
Fiquei mais dois anos na Portuguesa. Depois tive uma discussão muito
séria com o treinador Flávio Costa. Ele sempre gostava de jogar a culpa
em algum jogador. Me suspenderam e voltei para o Corinthians.
FTT: Você conheceu o Félix na Portuguesa?
CABEÇÃO: O Félix veio do Juventus e foi reserva nosso. Era ele e o Lindolfo. Quando eu saí, virou titular. Conheço-o desde garoto, quando morava no Tatuapé. Faz tempo que não o vejo.
A VOLTA AO CORINTHIANS E O ENCERRAMENTO DA CARREIRA
FTT: Quando você voltou para o Corinthians, teve que continuar disputando a posição com o Gilmar.
CABEÇÃO: Ficamos um tempo jogando juntos, até que o Gilmar foi embora para o Santos. Fiquei jogando uma temporada. Depois contrataram o Heitor e depois o Marcial do Atlético Mineiro. Fiquei até 1968, quando fui embora para o Juventus. Depois fui para o Bragantino disputar a Segunda Divisão, no tempo do Nabi, que era o dono do time. Fomos vice-campeões em 1968, perdendo a decisão para o Paulista de Jundiaí. Depois fui para a Portuguesa Santista, onde encerrei a carreira, tinha 39 anos pra 40, estava aborrecido com viagens e ginástica. Teve um jogo contra o Santos na Vila Belmiro que defendi dois pênaltis do Pelé.
Grande defesa de Cabeção no classico contra o Palmeiras.
FTT: Mas depois que você parou de jogar, fez uma boa carreira como técnico.
CABEÇÃO: Eu passei a treinar a categoria de base do Corinthians. Comecei no Dente de Leite, onde apareceu Casagrande, Wladimir, Solito, Solitinho, Rafael (goleiro do Coritiba), Carlinhos e Ronaldo. Fiquei durante vinte anos. E no fim ganhei um pé no traseiro. Hoje faz trinta anos que não vou lá. Desde que o Matheus me mandou embora sem motivo nenhum, não quis ir mais lá. Eu que vivi cinqüenta anos lá dentro. A minha tosse comprida fui curada na bica quando eu era pequeno. Meu avô me levava lá pra tomar água na bica quando eu tinha cinco anos. Ele era italiano, mas gostava do Corinthians. Fui criado lá dentro.
Corinthians nos anos 50 com Cabeção .
FTT: Quem era o seu ídolo nesta época no Corinthians?
CABEÇÃO: Quando eu tinha uns sete anos, eu ia pelo fundo do clube, não existia a Marginal, tinha um barranco e uma ponte, passava uma cerca e entrava no campo pra ver os profissionais. Tempo de Lopes, Servílio, Teleco, Joane e Carlinhos. Ficava no gol e eles batiam a bola pra mim. Eles moravam perto do Parque São Jorge. Depois veio o Domingos da Guia e o Norival. Pagavam o cinema pra mim e o Luizinho, no Cine São Jorge. Era uma época boa. É sempre bom recordar pra não esquecer.
FTT: Quem foram os goleiros que você gostou na sua época e depois?
CABEÇÃO: Hoje assisto mais pela televisão, que é diferente pra se analisar. Teve o Oberdan na minha época que estava parando, que foi um baita goleiro. O Barbosa que foi sacrificado, sendo que era excepcional. Vi ele jogar no Ypiranga e joguei contra ele quando estava no Vasco. Mas foi crucificado quando tomou um gol na Copa que não podia tomar. Mas outros foram aparecendo. Teve o Leão e o Rogério Ceni. Não sei o que deu na cabeça deste goleiro do Corinthians, que estava muito bem e tinha tudo pra ser convocado para a Seleção Brasileira. O Porto queria me contratar em 1960, quando estávamos em uma excursão na Europa, mas o Corinthians não me vendeu, sendo que eu podia ganhar um dinheirão.
FTT: Qual o conselho que você dá para os goleiros atuais?
CABEÇÃO:
Hoje está difícil dar conselho porque eles tem treinadores. Quem
começou a treinar os goleiros foi o Valdir do Palmeiras. E eu na
categoria de base do Corinthians. Começamos a ensinar e a corrigir os
defeitos dos goleiros. Os treinadores de goleiros treinam mas não
corrigem. FTT: Como última pergunta, foi você quem introduziu as luvas no Brasil?
CABEÇÃO: Fui eu. A
Seleção Brasileira estava na Tchecoslováquia, estava caindo neve e fomos
treinar. Estava doendo as mãos e falei para o Gilmar pra comprarmos uma
luva, já que aqui eles usam. Trouxe uma da Tchecoslováquia e outra da
Inglaterra. Aqui no Brasil pus em um jogo à noite, sendo que o Mário
Morais da Tupi me criticou. Depois não usei mais. Havia uma fábrica
conhecida como Estádio, o dono dela (Sr. Agostinho) me pediu a luva
emprestada e eles começaram a fazer, mas com uma costura muito grossa,
sendo que as mãos não fechavam. Depois a Adidas entrou com as luvas que
conhecemos.
ENTREVISTA: Maurício Sabará Markiewicz
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro
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