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Através
da Regina (esposa do Zé Maria) pude entrar em contato com o maior
lateral-direito da história do Corinthians. Fui muito bem recebido pelo
Super Zé, uma pessoa extremamente simpática, que conversou comigo de
forma agradável, como se nos conhecêssemos a muito tempo. Sua história é
contada de forma emocionada, valorizando ainda mais o grande jogador
que foi. Confiram a matéria.
FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Você nasceu na cidade de Botucatu em 1949.
ZÉ MARIA: Interior
de São Paulo, onde tive o prazer de começar nas Categorias de Base da
Ferroviária de Botucatu, em 1963. No ano de 66 subi para os
Profissionais e no final deste ano vim pra Portuguesa de Desportos.
FTT: Na
época de criança, você que é filho de pai corintiano, o Sr. Durvalino,
já existia uma influência daquele Corinthians dos anos 50, com Cláudio,
Luizinho, Baltazar e Gilmar?
ZÉ MARIA: Com
certeza, me lembro das revistas da Gazeta Esportiva que meu pai
mostrava, no interiorzão ouvia muito radio e a influência foi justamente
desta forma, nós nascíamos e meu pai punha o símbolo do Corinthians na
frente para que pudéssemos aprender a gostar e a torcer. Foi um início
pra mim muito agradável, não esperava ser um jogador de futebol, mas a
influência corintiana veio desde criança.
FTT: Como você mesmo disse, jogou na Ferroviária de Botucatu e, se não me engano, jogou antes no Lajeado.
ZÉ MARIA:
Eu nasci numa fazenda, conhecida como Experimental do Café de Lajeado.
Passei a minha infância até os 13 anos, quando tive a oportunidade de ir
pra cidade, onde fui estudar como Técnico Industrial por quatro anos.
Interior e cidade, onde tive uma formação muito agradável, a educação
foi prioritária, somos uma família de seis irmãos, sendo que três deles
foram jogadores de futebol, como o ponta-esquerda Tuta que jogou na
Ponte Preta, o Gil e o Marco Antônio, sendo que o último teve o prazer
de jogar no Corinthians, além do Tuta que também se iniciou no clube
quando era Juvenil.
Ze Maria e o irmão Tuta antes de um confronto entre Corinthians x Ponte Preta |
FTT: Nesta época de Botucatu já jogava como lateral-direito?
ZÉ MARIA:
Não. Eu era metido a ser atacante. Na época o jogador de futebol tinha
que fazer gol pra aparecer. Fui descoberto como lateral-direito na
Ferroviária de Botucatu nas Categorias Infantis numa brincadeira, faltou
um jogador e o Tissão, que era o treinador, me colocou na lateral pra
quebrar um galho, pois havia muitos atacantes e praticamente foi o meu
início, dali não saí mais, disputei três Campeonatos Infantis,
participei no último ano como Juvenil, sagrando-se campeão e, no mesmo
ano, fui Amador, disputando o campeonato da cidade. Minha carreira foi
muito rápida nas categorias, disputei um ano na Primeira Divisão pela
Ferroviária e, no final do ano, a Portuguesa se interessou, pois soube
de um neguinho de cabeça raspada que jogava pela Ferroviária num jogo em
Jundiaí contra o Paulista, fizeram o convite pra mim treinar, vim com
mais dois jogadores, o Nardinho e o Corvino, fiz um contrato de três
meses e voltaria em janeiro pra complementá-lo. Quando voltei, o Augusto
teve problemas, pra você ver como eu tive muita sorte na minha
carreira, pois era o lateral-direito, também jogou no Corinthians, com o
técnico Wilson Francisco Alves dizendo que “teria que lançar esse
neguinho de qualquer jeito”, com a Portuguesa se interessando por mim,
indo a Botucatu me comprar, tornando-me o lateral-direito do time e,
graças a Deus, não saí mais.
PORTUGUESA
1969 - Em pé: Guaraci, Paes, Zé Maria, Marinho Peres, Orlando Gato
Preto e Américo. Agachados: Valdomiro, Basílio, Leivinha, Lorico e
Rodrigues
FTT: Como foi a sua passagem pela Portuguesa de Desportos, onde jogou por três anos?
ZÉ MARIA:
Joguei praticamente três anos e meio, tive um problema no final, quando
o meu pai, como grande corintiano, nesse momento muito difícil do
Corinthians, na época do acidente do Lidu e Eduardo, com o clube se
interessando por um lateral-direito. Como eu tinha contrato com a
Portuguesa de Desportos, não pude ir. Quem veio foi o Miranda. Logo
depois dissera, que interesse no meu passe. Como meu pai cuidava das
minhas transações, falou que eu tinha contrato com a Portuguesa e não
havia como eu ir. O contrato terminou, meu pai tinha com o clube um
compromisso pessoal e verbal, que se surgisse uma oportunidade, a
Portuguesa abriria mão. Aí o meu pai começou a briga, pra eu vestir a
camisa do Corinthians, dizendo que “se não saísse agora, não sairia
mais”. Ainda esperei um ano, pois foi em 1969. Em 70 eu fui pra Seleção
Brasileira e, quando voltei, a negociação estava bem adiantada, não
houve a renovação com a Portuguesa, acabei depois de um período indo
para o Corinthians, o que foi a realização pessoal do meu pai e de mim
também como corintiano. Quando jogávamos contra o Corinthians, queríamos
mostrar pra ter oportunidade de jogar lá, atuando como um leão. Depois
tive a sorte de ficar treze anos, que foi uma honra e glória muito
grande pra mim.
FTT: Quando
você começou a jogar futebol como lateral-direito, na época haviam dois
grandes jogadores nesta posição que jogavam, por coincidência, no
futebol paulista, sendo muitas vezes escolhidos na Seleção Brasileira de
todos os tempos, que é o Djalma Santos (Palmeiras) e o Carlos Alberto
Torres (Santos). Eles tiveram alguma influência na sua carreira?
ZÉ MARIA:
Bastante, principalmente o Djalma Santos. Na época de Botucatu víamos
os jogos em VT (vídeo tape), com o Djalma sendo um dos jogadores que
observava bastante. Tive a grande honra de participar da despedida dele
da Seleção Brasileira, em 1968, quando fui convocado pelo técnico Aymoré
Moreira e era o terceiro lateral-direito. Pela categoria , da forma
como marcava, me influenciou bastante e considerava-o um lateral
perfeito, principalmente na marcação. Depois tive a felicidade na
Seleção de ver o Carlos Alberto Torres, a experiência que passou pra mim
foi muito importante. Os dois me deram muita tranquilidade pra poder
continuar a minha carreira.
WWW.FUTEBOLRETRO.NETZé Maria é o segundo sentado a partir da esuerda logo aao lado de Edu.
FTT: O Djalma Santos te influenciou mais na parte defensiva e o Carlos Alberto Torres na ofensividade?
ZÉ MARIA:
Na verdade o Carlos Alberto Torres, em 70, já estava modernizando, pois
também marcava muito bem, passando com facilidade pelo meio de campo.
Pra mim foi um aprendizado muito bom, pegando a experiência da colocação
do Djalma e a habilidade do Carlos Alberto pra frente, apesar de que eu
não era um jogador que ia muito pra direção do gol, marcava mais e
procurava fazer jogadas na linha de fundo para os atacantes, mas, mesmo
assim, acabei fazendo alguns golzinhos.
FTT:
Falando de 1970, Copa do Mundo daquele ano, aquela grande Seleção
Brasileira que o Brasil montou, com você não jogando nenhum jogo. Qual
foi a sua sensação de estar presente neste grande evento que é uma Copa e
vendo o Carlos Alberto Torres jogando, por sinal, muito bem?
ZÉ MARIA:
A Copa do Mundo de 1970 foi o início praticamente, tive a oportunidade
de conhecer grandes jogadores da época e era uma das melhores seleções.
Foi uma experiência muito grande, as orientações que eles nos passavam, a
maneira de comportamento, influenciando na sequência da minha carreira,
principalmente na experiência. Sou muito grato, porque eles chamavam a
atenção dos meninos, pois haviam vários jogadores com idade de 20 anos,
como o Edu, Leão, Marco Antônio e eu. Foram jogadores bastante
influenciados por eles, na dedicação ao trabalho e a forma como eles
levantaram aquele caneco, que foi uma experiência maravilhosa.
FTT: Depois
da brilhante conquista de 70, vocês retornaram ao Brasil e, como já
havia comentado, contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista, que
era o seu sonho e do seu saudoso pai, o Sr. Durvalino. Qual foi a
sensação inicial de jogar no Corinthians, Zé Maria?
ZÉ MARIA:
A princípio foi um sofrimento, porque voltei da Copa, estava aquela
briga de renovar ou não com a Portuguesa de Desportos e acabei voltando
pra Botucatu, ficando três meses treinando na Ferroviária, esperando um
retorno do meu velho. Um dia o meu pai me ligou, pedindo pra mim voltar à
São Paulo, pois parecia que a situação havia se tranquilizado, a
contratação estava bem adiantada, ele foi taxativo dizendo que “não
jogaria mais na Portuguesa”, falando que “se eu não fosse para o
Corinthians, voltaria a ser torneiro mecânico”. Felizmente as coisas se
caminharam de forma bastante satisfatória. Na época o presidente Wadih
Helu e seus diretores tinham um interesse muito grande, minha força e
vontade eram ainda maiores de poder vestir a camisa do Corinthians, com a
coisa acabando acontecendo. No final de setembro concretizou-se a
contratação. No início de novembro estreei contra o Grêmio em Porto
Alegre, perdendo por 1 a 0. Foi uma decepção à princípio, pois saí com
pouco tempo de treinamento e acabamos perdendo. Pensei que “será que
serei o que muitos falam, que’ jogador que vem para o Corinthians’,
acaba morrendo”. Graças a Deus foi o contrário, me encaixei dentro da
massa, pela minha forma de jogar, com garra. Dali pra frente as coisas
foram maravilhosas.
CORINTHIANS 1971 - Em pé: Zé Maria, Luís Carlos, Benê, Tião, Ditão e Ado. Agachados: Pedrinho, Lindóia, Paulo Borges, Rivelino e Aladim.
FTT: Acho que o seu primeiro grande momento no Corinthians foi naquele famoso jogo contra o Palmeiras, os 4 a 3 em 1971.
ZÉ MARIA:
Aquele jogo marcou mesmo, houve muita disposição do time, perdendo por 2
a 0 no primeiro tempo, voltando com gols do Tião, Mirandinha e
Adãozinho. Foi uma partida que ficou marcada na minha história e do
Corinthians também, uma virada maravilhosa. Temos que ter um lado de
prazer e não somente desgraça (risos).
FTT: Foi
uma época difícil para o Corinthians, estava muitos anos sem ganhar um
título importante. Citei o Palmeiras, que tinha o Nei na ponta-esquerda,
um grande adversário.
ZÉ MARIA:
Na época havia grandes pontas-esquerdas, o futebol brasileiro era muito
rico, não somente nos grandes clubes, mas também nas equipes do
interior, sendo que a maioria deles tinham jogadores muito bons nesta
posição. Eram muito habilidosos e inteligentes, como o Nei (Palmeiras),
Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Wilsinho (Portuguesa), Bozó (Guarani),
Abel (que revezava com o Edu). Era muito difícil, foi uma geração de
grandes pontas.
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FTT: Você
tinha mais dificuldade de marcar pontas habilidosos como o Joãozinho
(Cruzeiro) e o Zé Sérgio (São Paulo) que iam pra cima ou os que entravam
pelo meio como o Mário Sérgio, Paulo César Caju e o Dirceu?
ZÉ MARIA:
Todos eram difíceis, grandes jogadores, marcaram muito, habilidosos e
fintavam bastante. Mas eu sempre me dei bem. Tive muita dificuldade, na
verdade, com o Edu, pela inteligência, ia à linha de fundo e não fazia
firula, jogava bem objetivo, sendo que outros voltavam e driblavam. O
Nei, por exemplo, dava muito espaço. Foram jogos difíceis, me ajudando
muito, fazendo com que eu pudesse ser convocado à Seleção Brasileira nos
anos de 1974, 77 e 78, em função de ter feito um bom trabalho marcando
esse pessoal.
FTT:
Antes da Copa do Mundo de 1974, você já vinha de uma sequência de
partidas pela Seleção Brasileira, tanto que depois de 70 ganhou a Copa
Roca no ano seguinte e a famosa Taça Independência de 72. Acho que em
74, em questão de disputar uma Copa, tenha sido o seu ápice na Seleção.
ZÉ MARIA:
Eu praticamente dei muita sorte, desde 1968, participei das
Eliminatórias em 69, no ano seguinte fui reserva do Carlos Alberto
Torres, em 72 joguei a Copa Independência e na Copa do Mundo da Alemanha
foi a grande oportunidade, fizemos a excursão no ano anterior e me
firmei como lateral-direito titular. Infelizmente em 74 o resultado não
foi aquilo que esperávamos, chegando até as semifinais, mas tratou-se de
uma experiência definitiva, participando dos jogos, sentindo a força
das partidas numa Seleção Brasileira, sendo muito importante pra mim,
agradável ao extremo, tínhamos uma equipe muito boa e minha participação
também foi.
FTT:
Por sinal vocês perderam justamente para aquele que era considerada a
melhor equipe da Copa, a Holanda de Cruyff e Neeskens.
ZÉ MARIA:
Na verdade foi uma Copa bastante irregular. A nossa Seleção era muito
boa e neste jogo contra a Holanda acabamos saindo da final, que seria
contra a Alemanha Ocidental. Foi aquele jogo que não acreditamos, pois
tínhamos um potencial muito forte, tivemos grandes oportunidades de
definir no primeiro tempo, com a Holanda acreditando muito mais, achando
que o futebol brasileiro não era tudo aquilo, fazendo dois gols meio
espíritas depois da expulsão do Luís Pereira. Não foi uma decepção, pois
acho que tivemos uma participação bastante razoável.
FTT: Nesta
Copa, a princípio, você disputava a posição com o Nelinho. Ele foi o
titular em1978 e você não foi por causa de uma contusão. Havia alguma
rivalidade entre vocês dois?
ZÉ MARIA:
Não, pelo contrário, aprendi muito em 1970 com o Carlos Alberto Torres,
mas quem não quer ir pra Seleção Brasileira e participar de um jogo? O
grande exemplo de 70 foi dos próprios jogadores, a participação e união
que havia, uma Seleção em que os atletas que estavam na reserva,
acabavam torcendo para não acontecesse nada ao que estava jogando, de
tanto que era a harmonia e amizade que existia. Levei isso também pra
74, com o Nelinho e eu disputando a posição em igualdade de condições,
pois ele era um grande jogador, tanto que jogou os três primeiros jogos,
porque tive uma lesão e voltei contra a Alemanha Oriental. Nós
torcíamos um pelo outro e foi muito gratificante. Em 78 tive uma lesão
no joelho, acabei sendo cortado às vésperas da viagem à Argentina, tanto
que o Nelinho se apresentou no último jogo antes de ir pra lá. O
Toninho e eu éramos os laterais-direitos. Eu vinha de uma fase muito
boa, mas infelizmente a contusão me tirou daquela Copa.
FTT: O Nelinho, por sinal, fez uma bela Copa em 1978.
ZÉ MARIA:
Era um grande jogador. Eu tinha medo de perder a posição por causa de
alguma contusão nas competições, pois tinha certeza que, se ele
entrasse, seria muito difícil reconquistar a posição, porque o Nelinho
era um jogador versátil, vindo da evolução do futebol moderno, tinha
muita facilidade pra bater na bola e ia com mais facilidade para o
ataque, pois era um lateral-direito que ameaçava muito.
FTT: Após
a Copa do Mundo de 1974, você retorna ao Corinthians. Talvez, nessa
fila, tenha sido a maior oportunidade do clube ser campeão, disputando a
final do Campeonato Paulista contra a Sociedade Esportiva Palmeiras,
com 120 mil pessoas no Morumbi, sendo que 100 mil era corintianos, com o
Rivellino, o grande jogador da época, sendo injustamente afastado do
time por não conquistar o título. Vocês achavam que poderiam ganhar? O
que aconteceu antes e depois da final de 74?
ZÉ MARIA: Essa
é a história mais decepcionante da minha vida profissional, tanto que
nem gosto de recordar pela circunstância que foi, a ansiedade e a
expectativa que se criaram naquela final e acabou não levando aquele
campeonato. É duro justificar o que não ganhamos, mas acho que foi muito
mais pelo lado emocional. Aquela saída que fizemos para Água de Lindóia
pra aguardar a grande decisão tirou aquela ligação da torcida conosco e
acabamos nos dando mal. Foi uma das piores derrotas que tive na minha
vida, não podendo dar um título ao Corinthians, que era algo tão
almejado.
FTT:
Começa 1975, com o Corinthians tentando se refazer deste título não
ganho. Chega 76 e no Campeonato Brasileiro aconteceu um histórico jogo,
que foi o da invasão no dia 05 de dezembro daquele ano, com o
Corinthians há tanto tempo não ganhando, mas mesmo assim a torcida não
parou de crescer, invadindo o estádio do Maracanã, com você, por sinal,
fazendo o gol da vitória nas disputas por pênaltis. O que foi 1976 pra
você, Zé Maria?
ZÉ MARIA: Foi
uma das façanhas históricas do Corinthians e do futebol brasileiro,
tanto que até hoje quando vou para o Rio de Janeiro e me encontro com
algum ex-companheiro, como o Paulo César Caju e o Jairzinho, eles falam
que, como em 1976, nunca mais. Acho que foi a única invasão que teve no
Brasil de torcida no campo adversário. Criou-se uma expectativa em torno
daquele jogo, porque poderíamos ir pra final. Acho que o Vicente
Matheus foi muito inteligente naquela briga que teve com o Francisco
Horta pela televisão e pelo radio. O Horta dizia que a Dutra seria a
Rodovia das Lágrimas e o Matheus falou que seria das Flores, com aquelas
tiradas dele. Mas foi um negócio sensacional, acabamos vendo depois
através da televisão e documentários, porque estávamos concentrados, que
fizeram algo extraordinário. Não invadiram somente o estádio do
Maracanã, mas também o Rio de Janeiro, suas praias e o hotel que
estávamos hospedados, sendo que aí percebemos que teriam muitos
torcedores corintianos quando descemos para o almoço, pois havia uma
galera jamais vista. Houve a participação de outras torcidas, com
flamenguistas e vascaínos ajudando bastante, mas foram mais de 70 mil
corintianos. Algo formidável.
FTT: É
até interessante você comentar isso, porque as vezes existem
comentários dizendo que a invasão da torcida não aconteceu, que não
foram tantos corintianos para o Rio de Janeiro, que a maioria era de
torcedores do Flamengo, Vasco e Botafogo, engordando a Fiel Torcida. O
que você pensa disso?
ZÉ MARIA: Eu
acredito que havia muitos torcedores de outras equipes que queriam ver a
derrota do Fluminense. Mas a massa que saiu de São Paulo e de todo o
Brasil praticamente, foi um negócio impressionante, porque víamos carros
de todos os lugares após a saída do estádio, placas de várias cidades
do interior. Houve sim a participação de outros torcedores, mas a grande
torcida era a corintiana, de pessoas que vieram também de fora pra ver
aquele jogo, que foi um marco, com vinte e tantos anos sem ganhar um
título importante, ganhando do Fluminense no Rio de Janeiro pra depois
decidir com o Internacional. Foi uma invasão indescritível.
FTT: E a derrota para o Internacional foi tão dolorida como em 1974 contra o Palmeiras?
ZÉ MARIA: Talvez
nem tanto, porque contra o Palmeiras a expectativa era muito maior. O
Internacional se precaveu, sabendo o que tinha acontecido no Rio de
Janeiro, criaram problemas, sabendo à noite no hotel com aquela guerra
de torcida. Mas o resultado em si não foi tão insatisfeito pra nós,
porque sabíamos que eles tinham um grande time, jogavam em casa e era
somente um jogo, deviam ganhar e foi o que aconteceu, acabamos tomando
um gol numa bobeira nossa, em um vacilo de uma bola parada, com o Dario
fazendo o gol de cabeça. Depois teve aquele gol que a bola acabou
batendo na trave e entrou, com nós tentando fazer uma situação para o
juiz mudar. Infelizmente o Inter foi superior.
FTT:
1977 começando e mais uma vez a torcida corintiana esperando para, quem
sabe, ganhar este título que desde 1954 não consegue. O Corinthians
começou disputando a sua primeira Libertadora da América, que não tinha
na época o mesmo valor de hoje. Chega também uma pessoa muito importante
na história do clube, que é o técnico Oswaldo Brandão. Não farei
perguntas, mas apenas perguntarei o que foi 77 pra você, Zé Maria?
ZÉ MARIA:
Foi uma sequência de 1976, vínhamos daquele Campeonato Brasileiro que
não conquistamos, tivemos uma participação meio que tenebrosa na
Libertadores e, quando o Oswaldo Brandão chegou, tornou-se praticamente o
nosso pai, moralizou a equipe do Corinthians, a nível de também de
direção, conseguindo fazer um trabalho coletivo, trazendo o Vicente
Matheus pra si e junto com o professor Teixeira a o João Avelino, que
era o seu assessor, conseguiu fazer com que chegássemos àquela final.
Foi um campeonato muito difícil, quase saímos fora nas últimas partidas e
depois sobrou a Ponte Preta. Aí foi algo indescritível pra quem
participou, marcando muito a minha vida aquela conquista. Até hoje somos
lembrados em função de 77, sendo importante a participação do Brandão, o
seu espírito, a sabedoria do Matheus também e a vontade que o grupo
tinha, não era um grande time, tecnicamente éramos inferiores à Ponte,
mas era uma equipe de muito brio, com o Brandão trazendo a torcida pra
nós. Acho que se tivessem mais jogos, jamais perderíamos o último.
Tivemos o primeiro jogo e depois perdemos o segundo.
FTT: Nesta segunda partida havia mais de 150 mil pessoas no Morumbi.
ZÉ MARIA:
Estava lotado. E teve o jogo final, que a superioridade do Corinthians
na vontade, com a torcida empurrando, faríamos quantos jogos fossem
precisos, mas não perderíamos pra Ponte Preta, porque o time estava com
muita disposição, com o Brandão mentalizando a equipe, os espíritos
todos que ele trouxe e na base da garra fizemos uma grande partida e
felizmente o Pé-de-Anjo Basílio fez um gol que praticamente nos
consagrou, tanto que a comemoração, vibração e o carinho que tivemos
foram muito maiores que a chegada da Copa do Mundo de 1970, que eu
estava no grupo e, por não ter jogado, não foi aquilo que eu esperava.
Agora 77 foi um negócio estrondeante, marcou e marca até hoje, eu morro
feliz porque participei desta conquista.
FTT: Por sinal o gol de Basílio começou contigo cobrando uma falta.
ZÉ MARIA:
Foi uma felicidade ter saído pelo lado direito com a oportunidade de
fazer um cruzamento, que era uma jogada que ensaiavam mais com o
Vaguinho e o Geraldão, mas naquele bate e rebate, com o Wladimir também
tendo oportunidade de fazer o gol, sobrando para o Basílio. Era o
destino que ele faria o gol tendo uma felicidade e entrar pra história.
FTT: Você falou do Wladimir, que era o lateral-esquerdo do Corinthians, jogando muitas partidas contigo. O que falar dele?
ZÉ MARIA:
O Wladimir ainda é um moleque, mais novo do que eu (risos), mas a sua
humildade fez que chegasse onde chegou. É o jogador que mais jogou
partidas pelo Corinthians, o vi começando quando o técnico Yustrich deu a
oportunidade pra ele, sempre mantendo a regularidade desde quando
começou a treinar até o final. Uma pessoa maravilhosa, mas acho que ele
tem uma pequena decepção, de não poder participar de uma Copa do Mundo,
pois pra mim foi um dos grandes laterais, sendo que o ala eu já não
comparo tanto.
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FTT:
O Corinthians é campeão em 1977, tranquilidade no Parque São Jorge e no
ano seguinte chega um jogador muito importante na sua história, que foi
o Sócrates, chegando por sinal na época certa, pelo seu estilo de jogo e
jeito de ser. Já em 79, mais uma final, novamente com a Ponte Preta,
sendo que no primeiro dos três jogos aconteceu algo também marcante,
pois parece que o seu supercílio estourou, deixando a sua camisa branca
corintiana cheia de sangue e você foi ovacionado pela Fiel Torcida. O
que significou isso pra você?
ZÉ MARIA:
Depois de 1977 houve uma calmaria, saindo aquele peso e, com a vinda do
Sócrates, entrosando-se com o Palhinha, chegando outros, o time ficou
mais reforçado e tranquilo para as competições. Mas também foi um
campeonato dificílimo, conseguindo a classificação em Ribeirão Preto num
jogo de vida ou morte. Também foi uma partida que me marcou, pelo meu
espírito, minha vontade de querer jogar, tive um acidente com o Juninho
numa cabeçada e abrir o supercílio. O doutor Léo queria me tirar do
jogo, porque achava que era impossível pra mim continuar, mas com aquela
vontade que eu tinha, queria jogar. Fizeram um curativo e voltei pro
jogo no segundo tempo, mas acabei não terminando. Saí com a camisa
ensaguentada de fato, porque a vontade de conquistar mais um título e aí
veio essa ovação por parte da torcida, algo tão gratificante que jamais
esquecerei, com o reconhecimento e aplauso, mas enfim, ter tido aquilo
por querer ganhar o jogo, participar da final e me sinto orgulhoso por
poder sair de campo com a camisa cheia de sangue e tentando dar mais
alguma coisa pra nossa equipe.
FTT: Década
de 80 começando, Zé Maria é Campeão Paulista em 1979 pelo Corinthians,
em breve encerraria a carreira, mas também passou por outra grande
emoção no clube, porque em 82 surge o movimento da Democracia
Corintiana, tendo como principais líderes o Sócrates e o Wladimir. Na
época você não era o titular absoluto, pois havia chegado o Alfinete pra
disputar a posição contigo. O que dizer deste outro grande momento da
história do Corinthians?
ZÉ MARIA:
Foi um momento histórico, inédito, com a postura que os jogadores
tomaram, liderados pelo Sócrates e o Wladimir, que eram bastante
dinâmicos e com a presença do Adílson Monteiro Alves, que também foi um
dos grandes idealizadores da renovação da direção do Corinthians como
diretor de futebol, trocaram idéias para avançar, surgindo o processo
democrático, que veio junto ao nacional com o movimento das Diretas Já,
acabamos sendo fortalecidos por este grupo e buscamos algumas
reivindicações dentro do próprio clube. No primeiro momento não foi
muito bem aceito pela forma como foi sendo colocada, mas depois os
jogadores acabaram aderindo, achando que era um processo válido que
mudaria a rotina do Corinthians e do próprio atleta, sendo que os
questionamentos iniciais achavam que eram absurdos, mas depois viram que
deram resultados. No início foi difícil, porque você não muda uma
situação da hora pra outra, mas, com os resultados, conseguimos levar
este processo adiante, as concentrações não foram banidas porque os
jogadores se conscientizaram que era importante por responsabilidade e
criamos alguns objetivos. Esse movimento foi muito bom pra deliberar
situações, pois o jogador era praticamente um funcionário que entrava
pelas portas do fundo e saía por lá. Com esse processo, a coisa se
abriu, podemos conhecer melhor o clube e o conselho, com os diretores
também abraçando a idéia, vindo junto o próprio torcedor. Tudo depende
do resultado, mas foi um movimento bastante válido em todos os sentidos,
com o processo continuando e os resultados vieram, sendo que
infelizmente acabou quebrando, mesmo assim foi um avanço muito grande
que teve no esporte brasileiro, começando com a Democracia Corintiana,
que vemos hoje nos clubes e na Seleção Brasileira parte daquele
movimento, como nas concentrações, da deliberação de
uma série de coisas que não podia. O jogador tem que ser responsável,
acho que criou um processo de responsabilidade da qual foi entendida
pelo treinador da época, o Mário Travaglini, as conversas eram bastante
agradáveis, houve uma participação muito maior do jogador na dinâmica
que o técnico fazia e também dentro do campo. Foram resultados
maravilhosos que conseguimos.
FTT: Os
resultados foram muito bons, não somente nas questões políticas, mas
também nas sociais, com o Corinthians sendo Bicampeão Paulista em
1982/83. Neste último ano, no Campeonato Brasileiro, você foi escolhido
pra ser técnico do time, através de uma votação, que era muito comum
naquele elenco da época. Qual foi a sua experiência como treinador do
Corinthians?
ZÉ MARIA:
Foi uma experiência bastante válida, pois o jogador jamais pensa em ser
treinador quando está jogando. A forma com eles me colocou como técnico
foi gratificante, até pelo reconhecimento do meu comportamento, da
minha postura e havia sido capitão do time durante vários anos. Enfim, é
uma responsabilidade muito grande, senti isso na época, sabia que teria
dificuldades, mas houve uma boa ajuda de todos eles para que pudéssemos
fazer um final de campeonato muito bom. Pra mim foi um prêmio, pois foi
o início do meu término de carreira, fui treinador e não poderia mais
jogar, acabei tomando a decisão depois de encerar e, por mim, encerraria
no Corinthians, mas eu tinha um compromisso com o meu velho de jogar em
Limeira, fazendo alguns jogos pela Internacional em 1984/85, mas
praticamente encerrou depois da minha participação como treinador.
FTT:
Por sinal, depois da fase de treinador no Corinthians, jogou algumas
partidas e tem uma frase sua muito famosa, acho que dita no seu jogo de
despedida, dizendo que “estão tirando um pedaço de mim”.
ZÉ MARIA:
Foi exatamente o que senti quando me deu aquele estado, eu estava no
banco, entrei e falei que achava que era o meu último jogo. Decidi na
hora, tanto que o pessoal falou que não era possível, sofri muito,
fiquei dias e dias pensando que besteira tinha feito, sair daquela
forma, mas achava que, se errasse ali, jamais jogaria em outro time. Pra
mim foi alguma coisa que tirou e até hoje carrego um pouco disso, de
poder ter ficado mais tempo jogando, mas dentro de mim sinto que
continuo torcedor.
Zé Maria com uma das duas Bolas de Prata conquistadas em 73 e 77 e Mauricio Sabará.
FTT: Encerrada a carreira, você buscou outras opções a vida, que foi ser vereador. Como foi essa nova experiência?
ZÉ MARIA:
Foi praticamente uma consequência do processo democrático, com o
Adílson, que era envolvido com o Caio Pompeu de Toledo, que era na época
Secretário de Esportes, surgindo aí um convite pouco antes das
eleições, filiaram-me pouco que meio contra a minha vontade, pois não
tinha nada de político, mas era jogador de futebol e acabaram nos
envolvendo. Com certeza foi a grande massa corintiana que me elegeu,
pela minha forma de ser, sendo eleito vereador de São Paulo, uma
experiência nova na minha vida, aprendi muito com os grandes políticos
que lá existiam, como o Mário Covas e depois o Jânio Quadros, além de
uma gleba de vereadores importantes, aprendendo também que ali não era o
meu lugar, foi só um mandato e vi o outro lado do muro. Depois
encerrei, acabei fazendo um trabalho social em escolinhas de esportes do
Estado e hoje praticamente continuo trabalhando na mesma área,
prestando serviços na Fundação Casa, a antiga FEBEM, faço supervisão e
coordenação de esportes em todo o Estado de São Paulo, tentando dar uma
oportunidade a esses jovens, mostrando um pouco da nossa experiência,
que não se ganha na vida pela mão, tendo que ter muito trabalho e suor,
dando umas palavras de boas maneiras, pois infelizmente pegaram o
caminho errado.
FTT:
Estamos praticamente encerrando a entrevista para o Blog Futebol de
Todos os Tempos. Farei algumas perguntas em relação a alguns jogadores,
sendo um da sua época e outro que foi posterior. Quando você estava pra
encerrar a carreira, havia um lateral-direito muito bom, que era o
Leandro. Perguntarei também do último grande jogador da sua posição,
pois na lateral-esquerda surgiram muitos grandes valores, sendo que na
sua posição de lateral-direito foram poucos, citando o Jorginho e o
Cafu. O que dizer de Leandro, Jorginho e Cafu?
ZÉ MARIA:
Tive a oportunidade de conhecer o Leandro quando praticamente estava
parando e ele jogava o futebol moderno, um jogador que se adaptou bem a
este sistema de ala, que se criou essa função com o sumiço dos pontas,
que vinha antes com o próprio Cláudio Coutinho, adotando o overlap que
ele inventou, uma criação para que o lateral passasse e pudesse ter o
poder ofensivo. O Cafu foi o grande lateral-direito das duas últimas
décadas, levantou a taça da Copa, um jogador que também tinha facilidade
em chegar ao gol adversário, marcando muito, acho que nesses últimos
anos é o que mais de destacou e marca ainda hoje, pois não veio
substituto à altura dele.
FTT: E
o Corinthians, Zé Maria? Coincidentemente agora são mais de 20 horas,
dia 31 de agosto de 2011, hoje terminou o centenário do clube e amanhã
já serão 101 anos. O que representa o Corinthians nesses 100 anos de
história?
ZÉ MARIA:
Essa nação corintiana não tem o que dizer da força que tem lá. Eu fico
muito feliz vendo a situação do Corinthians, o clube se abriu, o Ronaldo
tem esse peso muito grande nessa virada, trazendo a modernização. O
presidente Andrés Sanches foi uma dádiva, implantando boas idéias, sendo
que na minha época de jogador também havia, mas o Matheus era muito
fechado para abrir a porta aos grandes corintianos ajudarem. Hoje é
totalmente diferente, é um dos maiores clubes do Brasil, por sua
estrutura e organização, pela forma como ele mostra a sua existência, o
clube cresceu depois deste processo do centenário e sem dúvida
atualmente não perde pra nenhum destes grandes clubes da Europa. Oxalá
agora podemos ter o nosso estádio, o que será a concretização dessa
história que com certeza virão muitos títulos.
FTT: História
essa que você tem muita importância, sendo sempre eleito o
lateral-direito do Corinthians de todos os tempos, mesmo tendo antes
outro grande jogador, que foi o Idário, nos anos 50, mas você é o quarto
jogador que mais jogou pelo clube, atrás apenas de Wladimir, Luizinho e
do goleiro Ronaldo. No almanaque do Celso Unzelte (segunda edição)
constam 599 partidas, mas farei bonito, arredondando pra 600 jogos
vestindo a camisa do Corinthians. Parabenizo-o por sua história neste
clube, obrigado pela entrevista e, mais uma vez, parabéns!
ZÉ MARIA: Muito
obrigado. Pra mim foi uma honra, será eternamente gratificante poder
ter dado uma contribuição para esse clube crescer tanto como está hoje,
além de outros jogadores que não são muito lembrados, sendo que todos
participaram dessa história. Eu fico feliz em poder ter deixado a minha
marquinha e essa lembrança que você faz me gratifica bastante. É gostoso
ser corintiano e se Deus quiser continuarei sendo, ganhando ou
perdendo, sempre corintiano.
REPORTAGEM: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.
domingo, 4 de setembro de 2011
Revista do Dia - PLACAR 1981
Capa da Placar de 31 de Dezembro de 1981 trazendo materia sobre uma geração de Ouro onde craques como Reinaldo, Zico, Socrates e Falcão poderiam trazer a Copa em 82 depois de tantos anos sem vence-la.
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